quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Dos avós...

As primeiras recordações que possuo pintadas a azul e branco estão intimamente ligadas aos meus avós, maternos e paternos.


Sendo certo que foi com os primeiros que acompanhei o F.C.Porto durante quase toda a vida (ainda hoje, cada jogo nosso é detalhadamente analisado em conversas telefónicas com o meu avô materno), tendo inclusive tido a honra de com eles partilhar lugar cativo durante anos a fio, situação só interrompida pelo natural e inevitável peso crescente dos anos sobre o esqueleto dos queridos "velhotes". Ambos ex-atletas do F.C.Porto, naquela altura do verdadeiro "amor à camisola" (muito mais puro e verdadeiro que o propalado amor dos que se sentam em "cadeiras de sonho") foram os grandes responsáveis pela criação e desenvolvimento da dinastia portista da família do lado materno. 

Do outro lado, dois avós não tão intimamente ligados ao clube, mas igualmente apaixonados, portistas convictos, seguidores fiéis e pregadores da mística e cultura "dragonas".

Uma das primeiras memórias que guardo de uma ida às Antas, foi na companhia dos últimos. Para ser honesto, não me lembro do resultado final (mas sei, com toda a certeza, que ganhámos). Lembro-me de como me senti pequeno naquele ambiente festivo e único que uma ida às Antas nos proporcionava. Lembro-me de ficar espantado e perguntar à minha baixinha avó quem era "aquele senhor com umas pernas tão grandes?" que passeava no meio da multidão, distribuindo sorrisos e simpatia. Sentado nas bancadas (ainda) de pedra, algures entre a Superior Sul e a Central, e embora o jogo decorresse bem à frente, era o ambiente, o ruído, a festa que nos rodeava que me deixava delirante. O meu avô, a combater a ansiedade com uma quantidade demasiado elevada de cigarros; a minha avó, dedicava-se ao crochê de cada vez que os adversários ultrapassavam o meio-campo. 

Sendo um casal pobre, a evolução do futebol para um negócio bem lucrativo afastou-os dos Estádios. A paixão, essa, nunca esmoreceu. De 15 em 15 dias a família juntava-se em casa deles, mesmo ao lado da Estação de Campanhã, e o topo da mesa estava reservado à fatia masculina da família. Pese embora a paixão do meu pai pelo futebol seja mais contida, o meu avô fazia questão que o futebol fosse temática frequente e obrigatória. Sendo um homem simples mas de ideias fortes, havia os "ódios de estimação". Não conseguia compreender (mas aceitava), como era possível alguém no Mundo não morrer de amores por Baía - o meu avô referia-se ao Vítor como "esse vaidoso..:". Era também com a voz enrouquecida por anos a fio de dependência de 2 maços diários de SG Filtro que me contava como odiava Jaime Pacheco. Dizia ele, "Esse gajo, que se não fosse o Porto não tinha onde cair morto, andava a passear o seu descapotável pela Praça Velasquez. Saía e encostado ao carro, dizia mal do treinador e dos colegas de equipa. Esse bandidola...". 

O meu avô faleceu meses antes da chegada de Mourinho. Foi com Octávio Machado ao leme que se despediu do Porto. Perdeu algumas das maiores conquistas nacionais e internacionais que já tivemos e não viu terminada a obra do novo Estádio. Mas estou certo de que o orgulho de ter feito parte da "tribo" o deve ter acompanhado até aos últimos momentos da sua existência.

A minha avó, sempre mais contida, seguia o Porto de forma interessada. Era o seu "coração de passarinho" que a impedia de seguir os jogos, pelo menos até à parte em que a equipa adversária ameaçava passar do meio-campo. Era frequente ligar-nos a perguntar como tinha ficado o jogo! Recordo-me das constantes "pegas" que tinha com a Mariazinha da Mercearia (naquela rua, todas as pessoas são o Fulano Tal de Tal Sítio, ou Fulano Tal, Filha do Sicrano e da Beltrana), essa "bermelha nojenta", quando degladiavam argumentos a favor da sua equipa do coração.  

Mas o grande orgulho dela era o facto de se colocar à janela de casa e apontar em direcção a Norte, onde se erguia o imponente Estádio do Dragão e dizer, com um sorriso rasgado, "Eu também vou ao Estádio! Quando há jogos, ponho-me aqui à janela e consigo ouvir o pessoal todo a gritar lá dentro. E quando é golo, meu menino... Parece que a casa treme toda!". Quando o meu avô faleceu, a colecção de livros do Manuel Dias - que ilustram diferentes épocas do nosso Porto, verdadeiras relíquias históricas, que me fizeram decorar nomes de jogadores e resultados de jogos que não tive oportunidade de ver com os próprios olhos - veio direita para as minhas mãos, por vontade da minha avó. Nesses livros aprendi de cor e salteado todos os jogos que realizámos a caminho da vitória sobre o Bayern em Viena em 1987. Ainda hoje, já na minha casa (partilhada com uma lampiona), ocupam lugar de destaque nas estantes da sala! 

Numa altura em que tanto se diz e se escreve sobre o Porto, o que é ser Porto, o portismo e os "tipos" de portista, temos estas histórias para nos trazer um pouco à Terra. Os meus avós paternos não eram portistas de "ir a todas", mas eram uns portistas dedicados. Foram adeptos ferrenhos, genuínos e indefectiveis de um clube que durante anos lhes foi dando poucos títulos em troca. Aquilo que lhes dava (e que nos dá a todos), essa honra única e imensa de nos podermos afirmar "portistas", era tudo o que pediam. Agora, horas depois da partida da minha avó, que lutou com uma garra e determinação à "Paulinho Santos" até ao ultimo suspiro contra uma armada de doenças que a assolaram nos últimos 8 anos, é com o coração apertado que os recordo, prestando-lhes a minha homenagem, com a certeza de que a História do meu, do nosso, F.C.Porto ficou mais rica pelo simples facto de os ter como sócios e adeptos.

E espero que o Big One lá em cima se lembre de dar agulhas e malha à minha avó e dois maços de SG filtro ao meu avô, para poderem assistir juntos ao próximo jogo do Porto.


4 comentários:


  1. @ Jorge

    confirma-se: estás com a "corda toda".
    estou a gostar :D

    @ Z
    li-te (com muito agrado).
    recordei-me (do meu Avô paterno).
    emocionei-me (por saber que muito do meu portismo - 99% dele - a ele o devo).

    abr@ços a «ambos os dois» :D
    Miguel | Tomo II

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