quarta-feira, 7 de maio de 2014

O jogo de Olhão visto a frio

Analisar o jogo com o Olhanense a frio foi, para mim, o equivalente a rastejar nú sobre vidro partido embebido em álcool etílico, fazendo os últimos metros de costas. Mas talvez ajude a entender algumas das coisas que foram correndo terrivelmente mal durante esta época no F.C.Porto. Dizer que fomos fracos em todos os capítulos do jogo será um eufemismo (para ser simpático). Mas vou destacar dois momentos (duas fases do jogo, se quiserem), que me pareceram bastante chocantes, não só para a qualidade de jogo que se espera de uma equipa grande (no domínio mais colectivo), mas também inadmissíveis em jogadores profissionais da 1ª divisão (dimensão individual).

Primeiro, destacar que a reposta individual e, consequentemente, colectiva à perda da bola roçou o ridículo (como aconteceu em tantos jogos durante esta época). Enquanto 3 ou 4 malucos saem na pressão (quase sempre a linha avançada e um ou dois médios interiores), invariavelmente num timing errado, e sem grande coordenação entre si na ocupação de espaços, os restantes 6 ou 7 ficam a olhar, aumentando para uma auto-estrada o espaço entre linha defensiva e linha intermédia. Deste modo, a equipa adversária, sempre com uma motivação, determinação, garra, vontade a milhas das dos nossos jogadores (a tal dimensão individual), pode até nem ganhar as primeiras bolas, mas consegue muitas vezes (demasiadas) conquistar as segundas bolas, e aproveitar as falhas de posicionamento para, de forma simples e objectiva, criar oportunidades de golo.  Aliás, a facilidade com que as equipas adversárias vão encontrando esses espaços, tem sido assustadora.

Na fase de construção ofensiva, a movimentação sem bola é inexistente, seja qual for o jogador que transporta a bola. Dou como exemplo os momentos em que a bola cai num dos extremos: se o extremo recebe a bola com um defesa na pressão, alguém tem de aparecer a dar linha de passe, seja ela uma linha segura, seja uma desmarcação do lateral nas costas (o tal overlap), que obrigue o defesa a ter de tomar uma decisão de seguir extremo ou lateral, criando uma possível vantagem. Mas no F.C.Porto actual, parece que todos os jogadores ficam petrificados a ver o que decide o colega com bola. E surgem inúmeras tentativas de 1x1 falhadas (e não é só Quaresma que o faz). Foi assim durante a quase totalidade dos 90 minutos com a Olhanense. A nível de movimentação colectiva, este jogo foi dos piores que já vi esta época. Pensava que tínhamos ficado com esse rótulo no jogo em Coimbra, mas afinal conseguimos ser piores durante a época. E aqui, não posso culpar o posicionamento das pedras em campo (com ou sem triângulo invertido), mas sim o comportamento dessas pedras durante o jogo. O bê-a-bá dos desportos colectivos é sempre, SEMPRE, a movimentação colectiva, com e sem bola. O "passa-e-vai" que aprendemos nas aulas de Educação Física não é mais do que o princípio base dum jogo de futebol (por exemplo), repetido vezes e vezes sem conta durante 90 minutos, nos diferentes espaços do terreno. Se uma equipa não o consegue fazer de todo (!), fica sempre mais longe de ganhar, independentemente da qualidade individual dos intérpretes.
Deixo-vos agora com um pequeno clip do primeiro jogo oficial da época (Supertaça) e convido-vos a observarem algumas das jogadas que criámos nesse jogo:


Parece-vos a mesma equipa de que vos falo mais atrás?
Os contantes overlaps entre Fucile e Varela (nesse jogo diabolizaram o defesa esquerdo do Vitória), criaram constantes vantagens no flanco direito.
Na área, aparecem quase sempre Jackson, Licá e Lucho em zona de finalização, e os 3 golos nascem precisamente destes 3 jogadores, e no seguimento de jogadas pelo corredor direito.
Licá, jogando com mais espaço e explorando os movimentos em velocidade até parece um jogador com qualidade (que continuo a achar que é, nessas movimentações específicas).
O lateral a jogar em 2x1 com o extremo, ou o extremo com o avançado, ou o médio interior, e a conseguir ganhar vantagens.
Linha defensiva muito subida, ganhando as segundas bolas após corte da defensiva adversária.
Velocidade na circulação, e acima de tudo MOVIMENTAÇÃO SEM BOLA!

Obviamente não podemos retirar a dimensão psicológica de um e outro jogo mas não deixa de ser curioso questionarmo-nos como, a mesma equipa, jogando em esquemas tácticos distintos, consegue fazer dois jogos tão antagónicos.
Preparação física deficiente? Deficiente preparação mental? Erros crassos a nível da orientação técnica? Falta de profissionalismo dos jogadores?
Tudo isto é válido, e está aberto a debate (a caixa de comentários está à vossa disposição).
Mas é incrível como estes dois jogos podem pertencer á mesma época desportiva.

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