quinta-feira, 15 de maio de 2014

Jogos Memoráveis - "Football... Bloody Hell"

Iniciamos hoje no nosso espaço esta rubrica, na qual procuraremos viajar por jogos marcantes a que tivemos oportunidade de assistir, durante a nossa curta existência. Aqui, vamos tentar deixar de parte clubites; vamos sim deixar-nos levar pelo nosso amor a este desporto maravilhoso, capaz de parar o Mundo inteiro por 90 ou 120 minutos, enquanto a bola rola pelo relvado, e os artistas que aprendemos a admirar a fazem girar com toques de magia. 

Hoje, começamos com uma viagem à bela e moderna Barcelona, mais concretamente ao quente fim de tarde de 26 de Maio de 1999.

Em Camp Nou, defrontavam-se dois colossos do futebol europeu e mundial, Manchester United e Bayern Munique, na altura equipas recheadas de estrelas e um degrau acima dos grandes clubes espanhóis (Barcelona e Real Madrid) e italianos (Milan e Juventus).


Do lado do Bayern alinhavam nomes como Kahn, Kuffour, Matthaeus, Mario Basler, Effenberg, Babbel e Jeremies. Do lado dos "Red Devils" moravam Schmeichel, Gary Neville, Beckham, Giggs (sempre Giggs), com a lendária dupla Yorke e Cole na frente. 


O jogo foi dominado quase na totalidade pelo Bayern, que se adiantou no marcador logo aos 6', num livre directo cobrado por Mario Basler,que deixou o gigante dinamarquês Schmeichel pregado ao chão. O poderio físico da defesa e meio-campo dos alemães ditou leis, e conseguiram anular por completo as pedras basilares do United - Giggs, Beckham, Yorke e Cole. Registe-se o facto de os ingleses terem alinhado sem jogadores importantes, como Scholes (lesão) e Roy Keane (castigo), o que levou a que Beckham tivesse de de alinhar como médio, e Giggs no flanco direito.


Se na primeira parte se registou um maior equilíbrio entre ambas as equipas, sem grandes oportunidades de golo a registar, a segunda foi um autêntico recital ofensivo dos bávaros. Com um domínio territorial quase total, não só contrariavam o futebol mais directo do United, como conseguiam criar oportunidades suficientes para aumentar o marcador para 3 ou 4 bolas. Mas em duas ocasiões, o poste (Mehmet Scholl, após um chapéu quase perfeito) e a trave (Jancker, de pontapé acrobático) negaram aos alemães as ocasiões mais flagrantes deste período. Isso e aquele louco e intransponível Peter Schemichel (que fazia a sua despedida de Old Trafford neste jogo).
Aos 67' e aos 82', Alex Ferguson decidiu arriscar tudo o que podia, e colocou em campo Teddy Sheringham e "Baby Face Killer" - Ole Gunnar Solskjaer. Mal ele sabia o que estava para vir...

Chegavamos quase ao final dos 90', e o jogo parecia decidido, apesar da magra vantagem. O Bayern esteve sempre por cima, sempre a controlar as investidas britânicas e tentava, nesta altura, que o tempo corresse veloz.

Pier Luigi Collina, árbitro do encontro, dá ordem para que se levante a placa com o tempo de desconto. 3'. Os fãs do United assobiam! Precisavam de mais tempo...

Com 90 minutos de jogo, e o United completamente balanceado para o ataque, Beckham combina com Neville, na esquerda,  e o lateral cruza rasteiro. Kuffour corta para canto. A bancada por detrás dessa baliza, repleta de adeptos dos "Red Devils" quase desaba. Schmeichel sobe à área adversária. Bekcham marca o canto, Schmeichel ainda tenta cabecear mas a bola é cortada pela defensiva bávara que, contudo, não a consegue afastar o suficiente do limite da grande área. Ali, à espera, está Giggs, que remata de pé direito, torto e fraco. Mas a bola passa caprichosamente por vários pares de pernas e vai ter direitinha com Sheringham que, sem cerimónias, já na pequena área, atira a contar.


A loucura instala-se! O United consegue um pequeno milagre ao empatar nos descontos, depois de levar um banho de bola durante os restantes 89'. 

Bola ao centro e os alemães parecem atordoados com o golo sofrido. Inexplicavelmente tentam jogar longo para Jancker mas Stam (aquela besta de homem) ganha de cabeça. Sai um passe longo para a esquerda do ataque do United, e cola no pé de Solskjaer. O norueguês tenta ganhar a linha, mas Kuffour não desarma e corta para canto. A celebração da conquista desse canto por parte dos adeptos do United é algo que ainda hoje me deixa arrepiado. Eles sentiam que aquele era O momento. Eles sabiam que a noite (e a época) era deles!

O relógio marca 93', e o United tem o último lance do jogo. Canto de Beckham e Sheringham antecipa-se ao primeiro poste, perto do limite da pequena área. Desvia na direcção da baliza, mas a bola vai fraca. Mas alguém se esqueceu de Solskjaer...


 YEAAAAHH!!! 


Aqui, a loucura foi total. O banco de suplentes do United sai disparado em direcção aos marcadores! O United acaba de concluir um dos episódios mais épicos da história do futebol.

Sheringham e Solskjaer, lançados por Ferguson ao longo da 2ª parte, estiveram nos 2 golos ingleses. Se há dias de sorte, este foi com certeza o dia mais feliz de Sir Alex. 

As imagens que se seguiram são muito fortes. Collina quer reatar o jogo mas vários jogadores do Bayern estão caídos do chão. O italiano vai tentar levantá-los para os fazer regressar ao que resta do jogo. Kuffour esmurra o relvado com raiva e chora convulsivamente. Do outro lado, Schemichel celebra com um mortal. Os adeptos do Bayern não querem acreditar no que está a contecer. Beliscam-se para acordar daquele pesadelo. Do lado inglês, lágrimas de alegria e a loucura absoluta.


O jogo termina passados segundos, coroando o United como vencedor da Champions League de 1999.

Em baixo, têm um pequeno resumo dos principais lances do jogo.


O futebol é um jogo que pode ser tão loucamente apaixonante como raivosamente cruel. Neste dia, foi-o para os fãs das duas equipas. Como adepto "Red Devil", amei cada segundo daqueles 3' de compensação. Ali está a génese do que me faz amar este desporto. Um jogo carimbado e resolvido, em que já se colocava o nome de vencedor na Taça, teve uma reviravolta dramática como poucos esperariam. Não sei (e espero nunca vir a saber) o que significará estar do outro lado, mas ainda me comove o desespero evidenciado por Kuffour logo após o 2º golo. Não sei se teria força anímica para continuar a jogar futebol depois daquele golpe de teatro. Os Deuses do Futebol revelaram-se piedosos para com os "Red Devils" naquela noite de Maio, protegendo a baliza de Schmeichel durante o assalto ofensivo dos alemães, e penalizaram em toda a linha a perda de controlo do jogo do Bayern nos minutos finais. Foi injusto? Muito, mesmo muito injusto! Mas foi épico, mágico e certamente continuará a ser um dos marcos do futebol mundial por muitos anos.


No final do jogo, quando questionado sobre o que acabara de se passar, Alex Ferguson, de sorriso de orelha a orelha, soltou:

"Football... Bloody Hell!"





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