sexta-feira, 2 de maio de 2014

Estórias de Mística - I

Num ano em que tanto se tem falado na perda da Mística no reino azul e branco, lembrei-me de falar por aqui em alguns episódios da História do nosso clube do coração (meu, do v.a.s.c.o., e de alguns dos nossos seguidores), que podem ajudar a compreender melhor aquilo a que todos nos referimos quando dissertamos sobre esta temática.

A Mística então, pode definir-se de que forma? É muito complicado de a definir de forma sucinta, meus caros (foi a minha conclusão, ao fim de dias a pensar neste post... Bravo!). A Mística de um clube será algo muito abrangente, que vai beber inspiração ás origens, à História do clube, a resultados importantes, localização geográfica, adeptos, figuras marcantes, jogos épicos, títulos... Estamos então aqui a falar da Mística do F.C.Porto, muito própria e singular, mas a Mística do Benfica, Sporting, Real Madrid, Barcelona, também existe, cada uma com as suas particularidades, com as suas figuras marcantes e com um estilo muito próprio. Nós não somos donos da Mística - ela faz parte do ADN de cada clube, e é também por isso que o desporto (embora falemos sobretudo de futebol, estende-se a todas as modalidades) tem um lugar de relevo nas diferentes comunidades por esse mundo fora. A Mística assume, por isso, milhares de formas diferentes. Claro que a nossa, a do nosso clube, é sempre a mais original (e quem disser que não, cheira a cócó).



Quando falamos da Mística do Dragão, vêm-nos à cabeça algumas palavras: raça, querer, ambição, espírito gurreiro, coragem, coesão, liderança... E estas palavras remetem-nos, indubitavelmente para diferentes equipas e diversas figuras que fazem parte da História do F.C.Porto. A Mística, essa, é passada de geração em geração, de adepto em adepto, por cada elemento que jogue de Dragão ao peito, por cada simpatizante (e até mesmo pela senhora que serve cafés dentro do Estádio), para que essa identidade se mantenha forte, presente, intacta, e assim sintamos aquele orgulho enorme de pertencer a um clã, onde todos sabem o que querem e para onde querem caminhar.

Proponho-me a revisitar alguns episódios ocorridos durante estes 121 anos de F.C.Porto (provavelmente com maior incidência nos anos mais recentes), que gostamos sempre de recordar nestes momentos mais "negros", e que deviam ser de leitura obrigatória para cada "Rodriguéz" ou "Fernandez" que chegue ao nosso clube, e que cada elemento de cada equipa, dos minis aos veteranos, do bilhar ao curling (não temos, mas se tivermos vão ter de levar ensaboadela), saiba em que clube está, e saiba por isso o que é "ser Porto", antes de se pôr a partilhar isso nos twitters e facebooks, como quem mete uns likes.

TAÇA DE PORTUGAL FUTEBOL 93/94

Recordo-me de ver este jogo, embora ainda fosse muito novo (estava a meses de fazer 8 anos), em casa de uns amigos do meu pai, todos boavisteiros, e que portanto me deixaram sozinho numa sala, com a tv à frente, a delirar com as incidências de um jogo que, na minha cabeça, era ainda algo confuso. Sabia que os de azul e branco tinham de marcar golos aos de verde e branco (esta finalíssima da Taça, foi contra o Sporting), e pouco mais. 

Nesta altura, os moldes competitivos eram diferentes: primeiro havia a final; se se registasse empate, havia prolongamento; se terminasse tudo empatado, após prolongamento, recorria-se a novo jogo, a finalíssima (que também poderia ser seguida de prolongamento e penalties).
O primeiro jogo terminou empatado a 1 bola.
O segundo jogo, terminou com vitória por 2-1 do F.C.Porto, também após prolongamento, golos de Rui Jorge e Aloísio (esse grandioso defesa central).
Nesta época, Robson (uma vénia a este senhor), que havia sido despedido meses antes do... Sporting, chegou às Antas ainda a tempo de assustar um bocadinho na luta pelo campeonato (perdido para uma magnífica equipa do Benfica, com um 11 inicial repleto de grandes jogadores, com Toni ao leme), e tinha aqui a sua oportunidade de ouro de conquistar o primeiro título pelo F.C.Porto (e dar uma saborosa bicada a Sousa Cintra, presidente do Sporting à data, responsável pelo seu despedimento)
O jogo foi rasgadinho, o Sporting terminou com 9 jogadores, mas o F.C.Porto desta altura não perdia oportunidade de ganhar jogos em superioridade numérica, por isso ganhou com justiça esta partida. 
Jogava-se o prolongamento, quando o caldo se entornou. Fernando Couto faz um tackle arriscado sobre Pacheco (jogador que passou pelos 2 rivais da 2ª Circular), e este, na queda, pisou ostensivamente o defesa portista. Amarelo para Fernando Couto por ter cortado a bola sem falta (malandro). Vermelho para Pacheco (só porque pisou um adversário? pfffff). Caos total nas bancadas, maioritariamente vestidas de verde.
Aquilo que se passou até ao final do jogo, e já depois do apito final, faria corar de vergonha muito boa gente das divisões distritais, que em dias de derby contra a aldeia vizinha até sacos de urina leva para atirar a árbitros, polícia, adeptos rivais e jogadores. Pedras (mas pedras mesmo, daquelas pedras de calçada) arremessadas para dentro de campo bem como garrafas e latas. A PSP carregava, mas não conseguia controlar a multidão. A Polícia de Intervenção mantinha-se parada, a ver no que aquilo dava. Na tribuna VIP, dirigentes federativos e até a Ministra da Educação (Manuela Ferreira Leite), resguardavam-se, para não haver cabeças partidas. Os jogadores do F.C.Porto faziam a festa possível, guiados pelo capitão João Pinto. Não havia condições de segurança para subir à tribuna e receber a merecida Taça e então o capitão, espontaneamente, "rouba" uma máquina fotográfica a um dos repórteres que estava no relvado e finge que aquilo se trata da verdadeira taça, e festeja perante o júbilo dos restantes companheiros e adeptos portistas. Quando as coisas parecem serenar, alguns jogadores tentam corajosamente subir os degraus do Estádio Nacional, parando por vezes a meio do caminho para se protegerem dos "bombardeamentos" dos adeptos em fúria, mas lá conseguem chegar à tribuna. Na tribuna, um caos, com toda a gente a acotovelar-se e alguns insultos á mistura. João Pinto (depois de lançar uns impropérios contra um senhor que estava na tribuna, não sei porquê confesso... mas tinha razão!) não quer saber de mais nada, só quer ter a Taça nas mãos,  e esta é-lhe finalmente entregue pela Ministra. Eleva-a no ar, ainda dentro da tribuna, mas dali não se vê, tem de ser mais à frente. Quando João Pinto e a Taça se avistam das bancadas, o ataque dos corajosos adeptos leoninos em fúria é total, e João Pinto usa o troféu para se proteger (qual jogador de baseball), a si e aos seus companheiros. Numa situação destas, o comum dos mortais, zelando pelo seu bem estar físico, retira-se do foco de tensão, e procura abrigo para poder chegar a casa inteiro. O comum dos mortais, dizia eu. João Pinto... não era desses. Ainda teve energia para se debruçar sobre a chuva de objectos que lhe eram arremessados, enquando vociferava impropérios em todas as direcções, agarrando a camisola com uma força e uma raiva tais, que penso que a própria camisola se encolheu de medo, enquanto batia no símbolo, do lado esquerdo do peito, com palmadas que devem ter ficado gravadas na pele durante uma ou duas semanas. Os colegas, à volta, uniam-se ao capitão (sempre meio metro atrás, não fosse ele pegar num deles para arremessar contra a multidão em fúria), e batiam também no peito, apontando para o símbolo que defendiam com aquele orgulho imenso, personificado ali, na frente, por João Pinto.

Aqui e aqui ficam os vídeos do resumo do jogo e deste episódio, porque as imagens valem sempre mais do que qualquer palavra que aqui possa colocar.

Eu lembro-me bem disto. Lembro-me da imagem de João Pinto a dar o peito às balas. João Pinto a ser capitão. A ser O capitão. E com um líder destes, não havia quem não fosse á luta. 
Nas semanas seguintes, obviamente, falou-se do costume quando o F.C.Porto conquista algo a um rival. Dos erros do árbitro, das "coisas estranhas" que se passam no futebol português (que curiosamente só se passam quando é o F.C.Porto a ganhar), da expulsão injusta de Pacheco (ele que jurou a pés juntos - os mesmos pés que pisaram Fernando couto -  que foi Secretário a cuspir-lhe primeiro e que ninguém viu nada), no triste espectáculo dado pela malta de lá do Sul, que se diz sempre tão civilizada. Para mim isso ficou tudo para segundo plano. O meu capitão na linha da frente, a cavalgar bancada acima, a ir buscar a NOSSA Taça, e a agitá-la na cara dos que o atacavam, foi o que retirei desse jogo, e será sempre assim que recordarei João Pinto. 

Isto, caros senhores, é a Mística do Dragão.

6 comentários:

  1. O Porto não tem mística. Quem começou a falar na mística foi o Benfica que é o clube em Portugal que mais se identifica com a alma lusitana, com o povo português, o Porto, como em tudo, seguiu-o sem nunca perceber o que é. A mística sente-se, não se vê.
    Um clube que renegou as suas origens, as suas raízes, nunca pode ter mística. Tem aldrabões vigaristas.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro, não te escondas no anonimato. Assume-te sem medos carago!

      Isto é como a música da Ágata. Podes ficar com os direitos de autor da "mística", mas não ficas com ela!

      Mística, garra, ambição, ser Porto, crer... Vários nomes para a mesma coisa. No fundo, e como diria o Jaime Pacheco: "É uma faca de dois legumes"

      Eliminar
  2. Caro Anónimo,
    Antes de mais, obrigado por nos vires visitar. É sempre bom observar que estamos a chegar a cada vez mais pessoas, de diferentes idades, géneros e cores clubísticas.
    Como disse acima, e acredito nisso, cada clube tem a sua mística. Que é algo que se sente mas não se vê, concordo perfeitamente. Dei-te um exemplo de algo que se viu e se sente. Sente-se no ambiente do Estádio, no ambiente no pavilhão, sente-se na rua, sente-se no ar.
    Se a mística do Benfica é a original, os meus parabéns. Se o meu Porto decidiu seguir os passos do Benfica e tentar construir algo semelhante, não vejo melhor elogio para o teu (deduzo que seja "teu") Benfica.
    O Benfica é o que mais se identifica com a alma lusitana, o povo português. Também chegou a mais gente porque na altura era o clube que "limpava" todos os troféus. E mais, porque também foi ( a par do Sporting), o que conseguiu conquistar a Europa. Na altura - e como é normal - era o Benfica que "limpava" tudo, e como tal, as pessoas identificavam-se mais com o Benfica. Eram vitórias nacionais e internacionais. Como não gostar? Sendo assim, permite-me dizer que a mística menos nacional do Porto me enche de orgulho. É que enquanto o Benfica limpava tudo cá dentro e lá fora, e todo o povo português se curvava perante tamanhos feitos, havia uns quantos malucos (o meu avô, por exemplo), que eram do Porto porque se identificavam mais com este clube (o horror!), apesar de serem outros a ganhar tudo. Sim, porque é possível gostar de um clube só porque sim. Só porque é da nossa cidade. Só porque nos revemos nas suas figuras, nas suas conquistas. Só porque gostamos do clube. Só porque sentimos esse Porto, de cada bancada do Bolhão, em cada aproximação da auto-estrada (via Vila Nova de Gaia), em cada árvore da Cordoaria. Se fores a Guimarães, encontras adeptos vitorianos, que pouco ganharam até agora (uma taçita, o ano passado, ao teu Benfica, e pouco mais), mas que tem uma multidão de loucos e fiéis adeptos, que desenvolveram a sua própria mística. Como vês, de novo, um clube sem a dimensão nacional e internacional do Benfica, mas com uma mística muito própria, baseada noutro tipo de fundamentos. Se o Benfica foi o primeiro a falar de mística? Aceito. FOram os outros a copiar? Talvez. Vamos, por isso, deixar de ter mística? Não.
    "Vocês só querem seguir sem perceber o que é." É esse o tipo de mania de grandeza na qual não me revejo, e que me faz ter um imenso orgulho ser do Porto. Ser dum clube é também saber respeitar quem é do outro. Considero-me um grandessíssimo portista, com uma pitada de doença á mistura. Como eu, há adeptos assim no Sporting, Benfica, Vitória, Rio Ave e por aí fora. Não sou mais do que os outros, nem sou menos. Somos todos grandessíssimos adeptos, loucos pelo nosso clube. Sentimos todos o clube de forma peculiar. Todos temos mística. Tenta explicar isso ao homem que por várias vezes me fala do que era o Porto há 50 anos (o meu avô), de lágrimas nos olhos, e vem dizer outra vez que não percebemos o que é mistica. Sabemos o que é mas, como sempre, vocês são moralmente tão superiores e são tantos, e são tão grandes que é impossível mais alguém saber o que isso é. Bravo pela humildade!

    "Tem aldrabões vigaristas" - isto é exactamente igual a "cheiram a cócó". Provavelmente és daqueles que acham que o Porto só ganha por obra e graça dos árbitros. É bom ser assim, certo? Quando os outros ganham é porque são ladrões, mas quando eu ganho, é porque sou o maior/melhor/maisgrande de Portugal e da Europa. Uma questão de coêrencia e humildade. Da minha parte vai um cumprimento de parabéns pela fantástica temporada do teu clube. Como sei de onde vens, não espero que faças o mesmo se fôr ao contrário. Tenho pena por ti.

    Aparece sempre,

    Z

    ResponderEliminar
  3. sir João Oliveira2 de maio de 2014 às 18:13

    pelos vistos sou daqueles que cheira a coco,mas sempree só)ouvi falar na mística benfiquista(que sou a 100%)e nunca ouvi falar das outras.Não vou discutir o mérito das conquistas do FêCêPê porque quem tem tantas conquistas,nacionais e internacionais, tem necessariamente de ter mérito,tiveram grandes equipas e grandes treinadores e sempre uma excelente estrutura e organização(e o resto esta no youtube,não vale a pena falar nisso)coisa que o meu clube aparenta estar a ter de há uns anos a esta parte,mas não é infalível como muitos pensavam ser,e tudo tem um principio e um fim e já se viu que isto do futebol são ciclos e uns começam quando outros acabam(tirando o zborden que é sempre a mesma merda=)).e respondendo á resposta do sr.Z:de que quando os outros ganham é porque são ladrões:como é que ficou conhecido o ultimo titulo ganho pelo Benfica? o do túnel,não é? neste pais e futebolisticamente falando temos todos telhados de vidro...Deixo só uma observação:aquele senhor no video era o Sousa Cintra ou o bruno de carvalho? 20 anos de diferença,a mesma conversa,2 títulos(um com 16 penaltis do Jardel),nunca mais aprendem...

    ResponderEliminar
  4. Caro sir João Oliveira,

    Antes de mais, agradeço a tua passagem pelo nosso espaço e espero ver-te por cá mais vezes. Concordo em absoluto contigo com a questão de todos terem telhados de vidro, e é por isso que em altura alguma me irás ver justificar uma derrota num campeonato (que é uma competição de regularidade) com questões extra-futebol. Quando se ganha um campeonato (30, 32, 34 ou 38 jornadas), ganha o melhor, ponto final. Jogos de bastidores é o que mais há no futebol (dos distritais à 1ª divisão), e só quem fôr muito ingénuo acredita mesmo que só uns tentam puxar cordelinhos. Mesmo havendo vídeos no youtube.
    Concordo também que na questão do campeonato dos túneis, essa questão foi erradamente abordada pela estrutura do Porto, em 1º lugar, e pelos adeptos, em segundo. Contudo, teremos de concordar que se tratou de um castigo inédito no futebol português (tal como a questão dos sumaríssimos, tão em voga em 04/05, ou até mesmo do castigo ao Paulinho Santos, esse grande caceteiro :)).
    Em relação à mística, há algo na tua frase que é importante "nunca ouvi falar das outras". Ok, certo, mas isso não quer dizer que não existam. Eu até faço a vontade, e falo de Mística quando associada ao Benfica, mas falarei sempre de mística associado a outros clubes, seja o Vitória, Liverpool, United ou o Porto. Não posso fingir saber o que é a Mística do Benfica porque não sou benfiquista. Da mesma forma, será um pouco difícil compreenderes o que são outras místicas se nunca ouvite falar delas. Pegando de novo no exemplo "neutro" do Vitória, faço-te uma proposta: tenta encontrar um vimaranense, vitoriano, e falar sobre o que representa o Vitória e ser Vitoriano e vais encontrar, certamente, uma mística muito particular, que só aquelas gentes conseguem compreender.
    Quanto ao"cheirar a cócó"... Por favor, diz-me que percebeste a ironia inerente à expressão. Não queria melindrar ninguém. É que na minha cama, todas as noites, se deita uma enoooorme benfiquista, e eu não quero correr o risco de passar a dormir no sofá.

    Continua a aparecer por cá,

    Z

    ResponderEliminar
  5. @ Z e Vasco

    só para dizer que eu estive nessa finalíssima. na bancada. ao vivo e a cores. e que foi a minha primeira e última vez que fui ao antro do Jamor. é que foi para nunca mais.

    o João Pinto... o 'broas'... não é letrado e detestava entrevistas - apesar do acerto na questão dos prognósticos... a Mística do Porto e o que é ser Porto? fácil: é o João a chorar pela equipa de andebol do FC Porto sagrar-se hexa campeã.

    abr@ços
    Miguel | Tomo II

    ResponderEliminar